segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Desmistificar o Treino em Especificidade



“Especificidade” é, quanto a mim, uma palavra polissémica pois, como o próprio nome indica, é susceptível de ter vários significados – sendo que, num treino de futebol, a “especificidade” também poderá ser encarada de variadas formas.

À luz de uma concepção de treino mais convencional (doutrina Matveiana), em que o trabalho físico assume um papel central na preparação, principalmente em períodos prévios ao início da época desportiva, mais conhecida por Pré-época, a “especificidade” é encarada, após uma caracterização das exigências do jogo nos aspectos físicos, como um treinar desses aspectos de forma isolada.

Treinar aspectos de ordem técnica (como, por exemplo, o remate, o passe, a recepção, o cruzamentos, entre outros) é visto, por vezes, como sendo uma forma específica e isolada de garantir a adaptação.

Existe, também, uma corrente opinativa (por parte de quem não domina este conceito de “especificidade”), que defende que o simples facto de se estar a treinar com bola significa que se está a treinar em “especificidade” – quando, na realidade, o que acontece, muitas vezes, é que se esta a treinar de forma integrada, ou seja, a bola entra efectivamente nos exercícios mas única e simplesmente para mascarar o verdadeiro sentido dos mesmos, que é puramente físico. Efectivamente, este tipo de realidade tem algo de mais específico ou que se aproxime ao jogo, que é a bola. Porém, este não é um treinar em “especificidade”.

Não me parece que o simples facto de treinar com bola, treinar em espaços reduzidos ou mesmo numa situação em que a bola assuma um papel central do treino, seja treina verdadeiramente em “especificidade”. À luz de uma concepção do treinar sobre uma periodização táctica (conceito de modelização sistémica), treinar em “especificidade” esta intimamente relacionado com o Modelo de Jogo que cada treinador preconiza para a sua equipa. Oliveira (1991) refere que treinar é criar ou trazer para o treino situações táctico-técnicas e táctico-individuais que o jogo requisita, envolvendo os jogadores e todas as suas capacidades, através do modelo de jogo e respectivos princípios adaptados. Todos os exercícios devem ser elaborados de acordo com o modelo de jogo adaptado. Assim, todas as componentes físicas, psicológicas, técnicas e estratégicas devem ser dependentes da componente táctica, sendo que a melhoria das mesmas está intimamente ligada com o treinar a “especificidade” do jogar.

Para responder ao modelo de jogo o treino deve ser reduzido a um espaço similar, o campo, devendo os exercícios fazer parte do mesmo. Quando me refiro a que “devem ser parte”, pretende dizer que se deve reduzir mas não empobrecer. O treino em “especificidade”, à luz desta concepção de treino em periodização táctica, como já referimos anteriormente, engloba todas as capacidades do atleta (quer físicas quer técnicas quer psicológicas) em simultâneo, logo é imperativo que os treinadores olhem para estes aspectos com a importância que eles efectivamente têm e que o seu objectivo seja no sentido de criarem exercícios que os contemplem a todos.

Contudo, por vezes, isso não acontece, visto que os técnicos não reflectem o suficiente sobre o seu modelo de jogo e consequentemente a escolha dos exercícios de treino que visam a operacionalização da forma de jogar, não é a mais acertada. O facto de não haver uma grande preocupação com as acções táctico-técnicas individuais dos seus jogadores é exemplo disso mesmo. Um exemplo prático: Uma equipa tem definido no seu modelo de jogo que o seu lateral esquerdo não sobe muito no terreno de jogo, e que sempre que receber a bola deve jogar directamente no Ponta de Lança. Ora, esta situação é treinada no contexto táctico e estratégico da equipa, mas será que esta questão é convenientemente treinada no aspecto táctico-técnico do jogador de forma individual? O que deve acontecer, é que nos exercícios criados pelo treinador esta questão deve estar implícita, devem surgir exercícios em que este jogador nesta acção do jogo, deve receber a bola preferencialmente no pé e não em movimento. Situação diferente será ter um lateral que suba no terreno, pois ai devem ser criados exercícios em que este receba a bola no espaço e em profundidade para depois cruzar ou tomar a decisão que o jogo se lhe exija.

Durante o período preparatório surgem, com muita frequência, lesões músculo-esqueléticas, rupturas musculares e entorses. Este facto deve-se, também, à falta de “especificidade” do treino durante este período pois, ainda hoje, se assiste a treinadores que acreditam que durante o período preparatório se devem ganhar bases do ponto de vista físico para toda a época desportiva, concentrando o seu trabalho em grandes volumes de carga física. Durante o período em que o trabalho é eminentemente físico, toda a estrutura músculo-esquelética dos jogadores sofre adaptações aos movimentos realizados, a forma como a contracção muscular é feita nos exercícios analíticos, realizados neste período, é bem diferente daquela que é feita quando a bola entra nos referidos exercícios. Assim, o tipo de estímulo e resposta exigida aos jogadores é bem diferente daquela a que estavam habituados, logo surgem as lesões.

 Quanto a mim o treino em “especificidade” só o é verdadeiramente quando está subjugado na íntegra ao modelo de jogo. Só treinando os comportamentos que pretendemos que sejam aplicados é que os mesmo irão surgir durante o jogo.

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