O
futebol é caracterizado como sendo um Jogo Desportivo Colectivo (JDC), assim
como o Basquetebol, Andebol e o Rugby, no qual os seus intervenientes –
jogadores – estão agrupados em duas equipas diferentes numa relação de oposição
e cooperação, originando uma luta intensa pela conquista da posse da bola com o
intuito de, para obtenção da vitória, introduzi-la o maior número de vezes
possível na baliza do adversário e evitar que esta entre na sua própria baliza
(Castelo, 2004).
O
futebol é considerado o mais imprevisível e aleatório jogo entre os vários JDC.
Esta imprevisibilidade advém de diversos factores tais como o envolvimento
complexo e aberto entre jogadores, o seu elevado número, a dimensão do campo e,
ainda, a duração do jogo (Costa, Garganta, Fonseca & Botelho, 2002).
O
treino que visa melhorar a performance do futebolista é um processo complexo,
dado que nesta modalidade desportiva interagem vários factores – tácticos,
técnicos, físicos e psicológicos (Castelo, 2002; Ramos, 2003; Soares, 2005; Tavares,
1993) – que se interrelacionam e condicionam o jogo da equipa, originando que,
e de acordo com Santos e Soares (2001) e Svensson e Drust (2005), se exija aos
jogadores elevados e constantes níveis de desempenho.
No
plano energético-funcional o futebol é caracterizado como um exercício acíclico
e de longa duração, em que se combinam fases curtas de alta intensidade com
longos períodos de intensidade média e baixa. Apela-se, por isso, aos três
sistemas de produção de energia: anaeróbio aláctico, anaeróbio láctico e
oxidativo (Aroso, 2003; Rebelo, 1993; Reilly, 2005). No entanto, os sistemas
anaeróbio aláctico e oxidativo parecem desempenhar um papel de maior
preponderância (Bangsbo,1994).
No
plano táctico, o futebol caracteriza-se por produzir relações de
cooperação/oposição alicerçadas nos aspectos estratégicos e tácticos do jogo
cimentados entre colegas e adversários (Garganta & Pinto, 1998; Gréhaigne,
Godbout, & Bouthier, 1997; Moreno, 1984; Ramos, 2003; Tavares, 1993).
Efectivamente, é nos JDC que a táctica atinge o seu expoente máximo de
expressão (Garganta, 1997). Queirós (1986) e Teodorusco (1984) referem a
importância do desenvolvimento da táctica, pois, segundo estes dois autores, é
essencialmente táctico o maior problema dos praticantes dos JDC.
Nesta
perspectiva, as relações que advêm da prática do Futebol, quer sejam estas de
oposição ou cooperação, reclamam aos jogadores comportamentos congruentes com
as sucessivas situações de jogo (Garganta & Pinto, 1998). Em situações de
oposição, os jogadores devem coordenar acções para garantir a recuperação da
bola, conservando a mesma e transportando-a para a zona de finalização da
equipa contrária, onde devem procurar finalizar (Grehaigne et al., 1997).
Assim
sendo, autores como Drust e Jones (2006) e Little e Williams (2006) atribuem
considerável importância aos Jogos Reduzidos (JR) como sendo uma metodologia
eficiente no que diz respeito ao aproveitamento do tempo de treino. Owen, Twist
e Ford (2004) referem que os JR devem ser amplamente utilizados no treino de
Futebol, pois permitem aos jogadores vivenciar situações reais de jogo, podendo
melhorar os seus aspectos técnicos, tácticos e fisiológicos (Drust & Jones,
2006; Owen et al. 2004; Tessitore, Meeusen, Piacentini, Demarie &
Capranica, 2006). De encontro a esta tese vão os entendimentos perpetrados por
Dellal, Chamari, Pintus, Girard, Cotte & Keller, (2008); Gabbett &
Mulvey, (2008); e Owen et al. (2004).
A
utilização dos JR permite desenvolver simultaneamente as capacidades
técnico-tácticas e a tomada de decisão. Actualmente é frequente utilizar os JR
para melhorar a aptidão aeróbia. Com efeito, tornou-se usual ver elementos do
corpo técnico – e até jogadores – com várias bolas em redor do campo onde
decorre o exercício, prontos a introduzir uma bola em campo mal saia a que está
em jogo com o intuito de maximizar o tempo útil do exercício/jogo (Gabbett
& Mulvey, 2008; Hill-Haas, Coutts, Rowsell & Dawson, 2008; Owen et al.,
2004; Rampinini, Impellizzeri, Castagna, Abt, Chamari, Sassi & Marcora, 2007).
Com
vista a melhorar os aspectos tácticos, os treinadores têm vindo a utilizar cada
vez mais os JR, atento o facto de estes facilitarem a organização do treino e
promoverem uma melhor aprendizagem (Castelo, 2002; Cook & Shoulder, 2006;
Ramos, 2003). A utilização dos JR permite aos jogadores a participação numa
competição reduzida e simplificada. O contacto permanente com a bola é
igualmente de fulcral importância por constituir condição básica de melhoria da
capacidade técnica (Piñar, Cárdenas, Alarcón, Escobar e Torre, 2009).
A
presença permanente da bola nos JR confere-lhes especificidade, melhorando os
aspectos tácticos e técnicos com elevados níveis de motivação por parte dos
jogadores (Sampaio, Abrantes & Leite, 2009, Dellal et al. 2008).
Cook
e Shoulder (2006) atribuem à diminuição do espaço um aumento das dificuldades
técnicas e tácticas para os jogadores. Segundo os referidos autores, tendo
menos espaço há também menos tempo para pensar e executar as acções solicitadas
a cada situação do jogo. Assim, por oposição, o aumento do espaço de jogo
implica um aumento de tempo para os jogadores executarem e darem melhores
respostas às acções técnico-tácticas requeridas a cada momento do jogo.
Castelo
(2003) defende que os JR são métodos de ensino/treino do jogo que oferecem a
possibilidade de treinar situações de ataque e de defesa de forma
contextualizada, através das quais se podem manipular as condicionantes
estruturais do exercício. Assim se compatibilizam os diferentes graus de
complexidade que derivam da lógica interna do jogo em função das capacidades
iniciais do jogador nos seus diferentes níveis de formação e dos objectivos
traçados a curto e longo prazo.
Verificamos,
então, que a importância que assumem os JR no processo de treino é cada vez maior,
sendo estes utilizados com mais frequência pelos treinadores para promover a
melhoria de capacidades técnicas, tácticas e as capacidades motoras dos
jogadores predominantes em cada JDC (Gabbet & Mulvey, 2008).
Com a
utilização dos JR como exercícios de treino é possível manipular a intensidade
do esforço com a alteração de algumas das características do jogo, tais como a
área de jogo, o número de jogadores, as regras, o número e duração das séries,
a duração total da sessão, a presença de guarda-redes e o incentivo do
treinador (Dellal et al., 2008; Hill-Haas, Dawson, Coutts & Rowsell, 2009;
Rampinini et al., 2007). Verificam-se, assim, alterações fisiológicas,
nomeadamente na Frequência Cardíaca (FC), na concentração de lactato e na
percepção subjectiva de esforço.
Segundo
Castelo (2002), a diminuição do espaço provoca um aumento das dificuldades dos
jogadores, pois os mesmos têm que concretizar os objectivos do exercício num
período de tempo mais reduzido.
Segundo
Hill-Haas et al. (2009), a manipulação do tamanho do campo – com a redução das
suas dimensões – produz uma maior resposta do débito cardíaco com o consequente
aumento da intensidade de esforço. O treinador tem ao seu dispor uma ferramenta
– Jogos Reduzidos – que lhe permite melhorar a aptidão aeróbia dos jogadores de
futebol (Helgerud, Engen, Wisløff & Hoff, 2001; Hill-Haas et al., 2009;
Impellizzeri, Marcora, Castagna, Reilly, Sassi, Iaia & Rampinini, 2006) num
ambiente mais agradável que os métodos considerados tradicionais.
Rampinini,
et al. (2007) referem que, se o treinador usar diferentes combinações dos
constrangimentos do treino (dimensões do campo, número de jogadores, incentivo
do técnico), pode modular a intensidade do exercício dentro da zona de alta
intensidade, controlando, assim, o estímulo do treino.
A
utilização dos JR é uma forma eficaz de trabalhar a capacidade aeróbia dos
atletas em simultâneo com o treino específico das capacidades técnico-tácticas
dos mesmos – Impellizzeri et al. (2006) e Nunes (2010).
Segundo
Impellizzeri et al. (2006), os JR revelam-se um instrumento extremamente
vantajoso no treino de jovens jogadores, pois a melhoria das competências
específicas de cada modalidade está relacionada com a frequência com que se
executam os gestos técnicos específicos.
Desta
forma, conclui-se que a manipulação das variáveis (número de jogadores,
dimensões do campo, regras utilizadas, incentivo do treinador, presença de
guarda-redes e o número de balizas) produz um impacto fisiológico na resposta
da FC e na Percepção Subjectiva de Esforço (PSE). Assim sendo, o controlo da
intensidade do exercício, durante o treino de futebol, pode fornecer informação
pertinente ao treinador (Coutts, Rampinini, Marcora, Castagna &
Impellizzeri, 2007).
A
monitorização da FC assume-se como um excelente indicador na regulação da
intensidade do esforço (Reilly, 2007), já que é um parâmetro de avaliação
metodológica de fácil execução fornecendo informação ao longo de todo o
exercício (Hill-Haas et al., 2008). A referida monitorização permite ainda
quantificar a carga interna do jogador e definir com mais rigor a intensidade
do treino (Bangsbo,1994), avaliando-se, assim, do cumprimento ou não dos
respectivos objectivos.
Um
estudo efectuado por Sampaio et al. (2009) revela que os JR 3x3 e 4x4 podem ser
usados para o treino aeróbio, em virtude de induzirem uma resposta da FC acima
dos 80% da Frequência Cardíaca Máxima (FCmáx).
Num
estudo efectuado por Hill-Haas et al. (2009) em jovens jogadores,
identificou-se que o aumento do terreno de jogo e número de jogadores diminuía
a frequência cardíaca. Os autores verificaram igualmente que, por oposição, a
diminuição do número de jogadores e do terreno de jogo implica um aumento da
resposta da FC e da intensidade do exercício.
A
reforçar esta tese está Allen et al. (1998) referindo que nos JR 5x5 a resposta
da frequência cardíaca é geralmente superior à apresentada em jogos de 11x11 e
que o número de jogadores, bem como a presença – ou não – de guarda-redes (GR)
influencia a resposta da FC durante os exercícios.
Para
haver alterações fisiológicas significativas ao nível da resposta da FC, a
diminuição das dimensões do campo tem que ser acompanhada duma diminuição do
número de jogadores (Kelly e Drust, 2008). A presença de GR nos exercícios de
JR faz aumentar os níveis de motivação dos jogadores, provocando um impacto
fisiológico ao nível da resposta cardíaca, com o aumento desta (Dellal et al,
2008).
Assim
após esta revisão da literatura e da execução de alguns estudos dentro desta
temática, estamos em condições de afirmar que a utilização dos jogos reduzidos
no processo de treino de uma equipa de futebol é um instrumento extremamente válido,
pois desde que, bem manipulados constrangimentos como, área de jogo, número de
jogadores envolvidos, intensidade e duração, instrução do treinador, entre
outros, podemos obter melhorias das capacidades físicas e das capacidades
técnico-tacticas num ambiente mais agradável e próximas do que são as
necessidades reais do Jogo de futebol.